quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A perplexidade da corrente alternada, segundo Steinmetz.

É ilustrativo acompanhar a explicação de Steinmetz sobre as perplexidades dos engenheiros e projetistas do final do século XIX, acerca da corrente alternada.

Ele dizia [1]: “Há dois tipos de corrente elétrica de uso industrial: as correntes contínuas e as correntes alternadas. A corrente contínua flui continuamente na mesma direção, assim ela pode ser medida em amperes, e sua ação calculada numericamente de modo simples. A corrente alternada é uma corrente que muda constantemente: ela se eleva de zero ao máximo, decresce a zero novamente, reverte e cresce até um máximo na direção oposta e de novo reverte, começando tudo de novo, 120 vezes por segundo, usualmente. Ambos os tipos de corrente foram usados desde os primeiros dias da engenharia elétrica, e não há nenhuma dificuldade em fazer cálculos com a corrente contínua: ela tem uma direção e um valor, que poderia ser medido com um amperímetro.”

Steinmetz continua: “Mas a corrente alternada não tinha nenhum valor e nenhuma direção, pois seu valor mudava continuamente e também sua direção; e em todos os cálculos com corrente alternada, ao invés de um simples valor da teoria da corrente contínua, o investigador tinha de usar uma complicada função do tempo para representar a corrente alternada, e a teoria dos equipamentos de corrente alternada se tornava por isso tão complicada que o investigador nunca progredia muito. Enquanto isso, os eletricistas práticos, que construíam e faziam funcionar as máquinas de corrente alternada, colocavam um amperímetro no circuito de corrente alternada e descobriam que certos amperímetros (aqueles de imã permanente) não indicavam nada, mas outros indicavam um valor, que eles denominavam o valor da corrente alternada. É o que denominamos de valor ‘eficaz’ da corrente alternada. Todavia, com ele não se podia fazer nenhum cálculo. Por exemplo, duas correntes alternadas combinadas produziam uma corrente cujo valor era usualmente menor que a soma delas, e algumas vezes até menor que qualquer uma delas.”

Eis então, em termos bastante claros, qual a dificuldade que desafiava os engenheiros da época e porque um método de tratar ondas variáveis no tempo era imprescindível para o desenvolvimento da engenharia. É possível perceber, pelos impasses descritos por Steinmetz a importância da teoria dos fasores por ele criada.  
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[1]E.J. Remscheid. Recollections of Steinmetz: a visit to the workshops of Dr. Charles Proteus Steinmetz, General Electric Co., Research and Development Center, 1977.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A eletricidade é a filha de Belzebu, para o parnasiano Bilac.

 
Nota: O texto que segue é delicioso e dá o que pensar. A prosa de um grande poeta encerra, às vezes, algumas verdades sobre que devemos meditar. Ele fala da luz elétrica e hoje poderíamos imaginar o que diria Bilac da televisão, da Internet, dos smartphones. É a eletricidade, com todos os seus benefícios e agora na sua idade madura, nos afastando do assustador e rejuvenescedor contato direto com as forças da natureza, e de tudo que esta experiência nos inspira.
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CONTRA A ELETRICIDADE
Olavo Bilac, 1905.

Certo amigo meu odeia e amaldiçoa a eletricidade: abomina-a, como assassina da poesia, como distribuidora de uma luz excessiva e escandalosa, que já nos não deixa gozar a melancolia das penumbras, em que medra tão bem a delicada flor do sonho.

Foi anteontem, sexta-feira, que ele se desmanchou, depois de um calmo jantar, em invectivas contra a luz elétrica.

Sexta-feira agoniada, em que muita gente, forçada a sair à noite, teve de ressuscitar o usa d’aquelas lanternas de que se serviam os cariocas de 1820, quando, caso raro, tinham de atravessar a cidade depois do toque de recolher.

Jantáramos juntos, quatro amigos, num amplo terraço deslumbradoramente iluminado por festões de lâmpadas elétricas. Tendo começado a jantar ao cair da noite, não sabíamos que a cidade lá fora estava às escuras, amortalhada na treva espessa. Descemos, saímos: e doeu-nos nos olhos a escuridão, pondo-nos na alma um vago susto.

Seria a revolução?

Raros lampiões estavam ainda acesos: um pequenino ponto luminoso, trêmulo e vago, piscando, de espaço a espaço, nas ruas lúgubres, cheias do espantado vozeio da multidão invisível. O céu, coberto de nuvens negras, pesava sobre a cidade. Trevas em cima, trevas em baixo; e cada rua era um túnel, onde os passos dos transeuntes soavam funereamente.

Somente a Avenida Central, região encantada, onde impera a Fada Eletricidade, conservava o seu habitual esplendor: e a faiscação das suas altas lâmpadas, e a ornamentação fulgurante dos cinematógrafos, que a bordam de um lado e de outro, contrastam impressionadoramente como o negror do resto da cidade.

Toda a multidão afluía para a grande via esplêndida. A multidão tem medo da treva... Os cafés transbordavam gente; e, à porta de cada cinematógrafo, uma longa cauda de povo se formava, assaltando a bilheteria. Toda aquela turba queria ficar fora de casa: a casa, sem gás, é um túmulo.

Nós quatro, conversando, comentávamos o caso.

Não era a mazorca, felizmente. Havia, apenas, uma parede dos operários da companhia do gás. Parede pacífica e platônica, que bem depressa acabaria, como as outras, continuando os pobres trabalhadores a contentar-se com promessas, e prestando o Estado o auxílio da sua força ao Capital, com essa solidariedade que une todos os tiranos numa quebrantável aliança ofensiva e defensiva...

Dos quatro, que passeávamos, um era um velho carioca, já cinquentão, e tão amigo da sua cidade que nunca daqui saiu, – nem para ir a Mendes ou à Barra do Piraí.

E enquanto os outros, com entusiasmo, entoávamos um coro de louvores à fada eletricidade, ele caminhava, resmungando coisas incompreensíveis.

Louvávamos a grande fada, que suspendia sobre as nossas cabeças aqueles globos fulgurantes, e estendia ao longo dos prédios aqueles pendões de luminárias brancas, amarelas, verdes, vermelhas, formando letras e dísticos, aglomerando-se em estrelas e crescentes, dando à Avenida um aspecto de zona de milagre, dotada de uma vegetação fantástica de flores e frutos de fogo.

Mas, levados pelo acaso do passeio, enveredávamos por uma das ruas transversais, e de novo a noite nos cobriu, nos rodeou, nos embrulhou no seu manto sinistro. E foi então que o nosso companheiro cinquentão falou, combatendo o nosso entusiasmo:

― A eletricidade! Se vocês soubessem que alívio é para mim um passeio como este, por uma rua trevosa! Já estou cansado de tanta luz... Ainda sou do tempo dos lampiões de azeite. A cidade era pobre, paupérrima. E, como pobre, e honesta, não tinha luxos. Todos jantavam, em casa, às quatro da tarde. Depois, um pequeno passeio, uma partida de gamão e uma discussão política nas boticas, uma ou outra novena, uma ou outra visita, e, de longe em longe, um fogo de artifício. Jesus! Atualmente, o fogo de artifício é quotidiano e perpétuo! Esta orgia de luz embebeda-me, alucina-me, cega-me! Abençoada seja esta parede, que nos vem dar um pouco de repouso aos olhos e às almas! Continuemos a passear por aqui, por estas calmas ruas que ainda os postes da Light não invadiram... Tenho a impressão de estar revivendo o tempo antigo. 

Antigamente, todo o Rio era assim...
Um de nós bocejou:
― Não sei que poesia se pode achar na treva...

O cinquentão inflamou-se:
― Quer você saber qual é o grande crime da eletricidade no Rio? Matou a poesia do luar! Os nossos luares, neste céu incomparável, sempre foram famosos. No inverno carioca, uma noite de lua cheia, no céu escampo, em que desfalecem e morrem todas as estrelas ofuscadas, é uma maravilha sem par, cuja contemplação dá poesia e imaginação a todas as criaturas, – até aos muares das carroças do lixo e aos cachorros vagabundos. O luar do Rio! foi por causa dele que esta cidade teve tantos poetas, no tempo em que ainda havia poetas. Agora, há... cronistas e burocratas, como este que aqui vai conosco, em que é adorador da eletricidade. Quem faz caso do luar, hoje? Nem o podemos ver: nem levantamos os olhos para o céu; as avenidas e as lâmpadas elétricas cativam toda a nossa atenção; vivemos a olhar o asfalto ignóbil que calcamos aos pés. E ninguém mais vê o luar, quando ele cascateia em rios de prata pelo pendor das montanhas, e mergulha gládios rutilantes na face arrufada do mar, e chora chuveiros de pérolas entre os ramos das árvores. A Eletricidade matou o luar!

Tínhamos chegado ao velho largo do Paço. O jardim, Osório, o chafariz histórico, tudo dormia, sob a capa das trevas. Mas, de repente, rasgou-se uma larga brecha na muralha das nuvens que forravam o céu; e um luar admirável, límpido, de uma brancura e de uma maciez de arminho, suavemente se espalhou sobre a dormente amplidão dos canteiros, dos relvados, das calçadas de cimento. Os oitis animaram-se, bracejaram, vestidos de prata viva. Osório agitou-se sobre o cavalo de bronze, nessa existência fictícia que a fantasmagoria do luar dá sempre às coisas inanimadas. O mar, ao longe, resplandeceu, retalhado por uma larga faixa fúlgida e tremente. Ficamos os quatro extáticos, suspensos, gozando o espetáculo magnífico. E o cinquentão exclamou, abrindo os braços, com um ar de beatitude na face:

― Abençoada seja a parede dos gasistas, que nos permite ver em toda a sua majestade divina, sem o contraste odioso e concorrência indigna da luz artificial, a tua luz incomparável, ó Diana formosa, caçadora de estrelas, mãe de todos os sonhos, consoladora dos tristes!

Todos nós dissemos:
― Amém!

Cerrou-se de novo o véu das nuvens. Dura tão pouco o que é belo!...

Retrocedemos, e enfiamos os passos pela rua da Assembleia, escuríssima; longe, irradiava o clarão da Avenida. E o nosso amigo, cerrando o punho, bradou, naquela mesma voz tonitruosa com que o padre Júlio Maria amaldiçoa o pecado e os pecadores:
― Maldita sejas, fada perversa, inimiga do luar, Satania abominável, filha de Belzebu!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Auge da Teoria Eletromagnética e o Nascimento da Engenharia Elétrica

No último quarto do século XIX, a teoria eletromagnética nasce, se desenvolve e amadurece, constituindo-se a base sobre a qual a Engenharia Elétrica irá se fundamentar. Em paralelo a isso, o sistema telegráfico se expande para o mundo todo, produzindo a primeira globalização tecnológica da História do homem; o mundo se ilumina com a lâmpada de Edson; e nasce o telefone de Bell, o produto tecnológico de maior sucesso que jamais existiu. Assista abaixo uma palestra que proferi na UFMG, em maio de 2011, sobre o tema.


As duas pedras fundamentais da Engenharia Elétrica: a eletrostática e a magnetostática.



600 A.C. – Tales de Mileto esfrega um pedaço de âmbar (elektron, em grego) com pele de gato e com ela atrai penas de pássaros. 






1269 – Petrus Peregrinus, escolástico medieval, descobre que magnetos esféricos (magnetita) atraem agulhas segundo linhas longitudinais  que apontam para os polos da pedra.